Vamos falar sobre ética

Hoje, muito se tem falado sobre ética. Os grandes escândalos de corrupção dos últimos anos despertaram na sociedade o interesse pelo tema da ética. Tanto assim, que o assunto está presente em rodas de conversa no trabalho, no grupo de amigos, na família e nas redes sociais. É grande o anseio da sociedade por mudanças concretas no ambiente da gestão pública para que o imperativo da honestidade se traduza em melhor aplicação do dinheiro público e, consequentemente, em melhores serviços à população.

Consequência da Lava Jato? Em parte, sim. Sem dúvida, essa importante operação trouxe e continua trazendo à tona graves mazelas da má gestão pública, com o velho hábito da sociedade estatal de privilegiar os interesses privados daqueles que estão no poder, em detrimento do interesse público. Entretanto, esta não é a primeira vez na história do Brasil em que o clamor por ética aflora nas ruas. Outros momentos da nossa história despertaram a indignação da população e a esperança de mudança. Foram os saltos éticos que trouxeram a expectativa de verdadeiras mudanças e o desejo de lutar por um Estado pautado por valores republicanos.

Esses saltos, contudo, não resultaram em mudanças consistentes. E as situações que nos envergonharam no passado continuam acontecendo, mas com uma roupagem mais sofisticada. A sensação é que a corrupção só aumenta, e que não haverá saída para esse ciclo vicioso. Em razão disso, a população sente-se frustrada. Não acredita ou custa muito a acreditar que seja possível, um dia, reverter o cenário.

Devemos, então, abandonar de vez nossa crença em uma sociedade livre de corrupção? Não.

Ao contrário, devemos sonhar com a ética, buscar inspiração nos bons exemplos e refletir sobre o papel de cada um nesse contexto. Sim, porque quando se fala em ética, não se deve falar somente do papel dos agentes públicos ou do governo. Não existe ética pública e ética privada. Ética é ética. E se um indivíduo parte dessa premissa, vai atuar de maneira correta na sua casa, no seu trabalho, na sua empresa, onde quer que esteja. As organizações, sejam elas públicas ou privadas, são feitas de pessoas.

Quebrar esse paradigma de separação entre o público e o privado é o primeiro passo para reformas éticas efetivas. O Estado precisa adotar mecanismos de diálogo sério com a sociedade -seja com empresas, organizações da sociedade civil ou cidadãos- para entender as expectativas, as frustrações, as dificuldades da vida real que levam às situações antiéticas e em seguida construir, sempre em conjunto, soluções que envolvam a todos, com responsabilidades compartilhadas.

Não basta aprovar leis e regulamentos desconectados da realidade e que imponham a obrigação de mudança unicamente pelo medo da sanção legal. Se o outro lado não se sente parte do processo de mudança e responsável por ele, nele não se engajará. O próprio cidadão precisa ter a consciência da sua responsabilidade natural, de que ele também tem o dever de agir corretamente.

É preciso, portanto, investir na simbiose entre público e privado. E o Empresa Pró-Ética é um exemplo concreto de que isso é possível e gera bons resultados. As empresas se candidatam voluntariamente a fazer parte da iniciativa: não se trata de obrigação legal. Isso é uma vantagem para o processo, pois as que procuram o programa estão verdadeiramente buscando um caminho para melhorar suas práticas negociais, implementando mecanismos anticorrupção. Ou seja, elas assumem seu papel e sua responsabilidade pela mudança.

Relevantíssimo destacar que não há benefício direto para as empresas voluntárias, seja em compras públicas, seja na concessão de empréstimos públicos. Mesmo assim, o interesse se mantém. Para as que estão engajadas na mudança, os benefícios intangíveis são muito importantes: primeiro, o reconhecimento público de que são empresas comprometidas com a prevenção e o combate a atos de fraude e corrupção, o que é publicidade positiva. Segundo, a avaliação das medidas anticorrupção por uma equipe especializada, que gera subsídios para melhorias contínuas no programa da empresa. Mesmo as que não são aprovadas no ano em curso recebem esse feedback e podem utilizá-lo para concorrer no ano seguinte.

O Empresa Pró-Ética é, portanto, um mecanismo de reconsolidação da ética. Não é uma certificação formal, mas é um indutor de mudança de comportamento. As empresas aprovadas revelam um compromisso decisivo, publicamente declarado. Serão mais observadas pelos seus pares e pela própria sociedade. Serão, portanto, mais cobradas no sentido de manter uma conduta ética no dia a dia. Essa prática se torna uma inspiração e gera nas demais empresas o desejo de seguir o mesmo caminho. E assim se cria e se alimenta um ciclo de acontecimentos positivos.

Iniciativas como essa devem se multiplicar, pois são passos firmes na reconsolidação da ética que tanto se anseia no Brasil.

Torquato Jardim é Ministro da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União