Alunos da USP usam realidade virtual para aumentar segurança na manutenção de redes elétricas

VH Thor, simulador que cria um ambiente virtual

Durante um temporal, uma equipe de operadores de manutenção das linhas de transmissão de energia elétrica é acionada para efetuar reparos em um dos postes da rua. Dentro de um cesto erguido por um guindaste e segurando uma vara de manobra, o eletricista tenta substituir o fusível queimado.

Apesar do treinamento intensivo ao qual foi submetido, o operário nunca havia enfrentado uma situação semelhante e, portanto, ninguém sabe ao certo se conseguirá executar o seu trabalho sem sofrer um acidente.

Para evitar situações como essa, estudantes da Universidade de São Paulo que atuam no Centro Interdisciplinar em Tecnologias Interativas (Citi), da Escola Politécnica, aceitaram o desafio de usar a realidade virtual e a tecnologia dos games em projetos que possam transformar o dia a dia das pessoas.

Foi daí que surgiu o VH Thor, um simulador que cria um ambiente virtual, idêntico ao real, para treinar o funcionário em situações de risco, como chuva, explosões ou até mesmo um ataque de abelhas.

Os estudantes criaram aplicativos para modelar peças reais, como fusíveis de potência elevada e o cesto, e inseri-las no mundo virtual -simulando o poste, a rua e os prédios. Com sua vara de manobra e o uso de óculos rift, aqueles usados por quem curte games, o operário "entra" nesse mundo virtual e começa a executar a sua rotina diária.

Além disso, por meio de um sistema de câmeras infravermelho Optitrack, o programa capta todos os movimentos do trabalhador, analisando sua reação e o movimento corporal diante de cada situação inesperada. Em uma tela, o monitor acompanha o treinamento e registra as principais dificuldades e falhas.

Nesse cenário de imersão tão avançado, é possível capacitar o operário para lidar com todo tipo de situação e avaliar se ele tem o perfil para essas tarefas, para, assim, evitar acidentes.

Na Celesc (Centrais Elétricas de Santa Catarina), que deverá ser a primeira empresa a usar o VH Thor, o treinamento é feito apenas no mundo real.

"Eles instalam um poste de verdade dentro da empresa, e o trabalhador treina como usar o cesto aéreo, os equipamentos de segurança, mas sem levar em consideração situações de risco, como a chuva, a falta ou o excesso de claridade, as pequenas explosões", explica Mario Nagamura, um dos pesquisadores do CITI. Formado em design, Nagamura integra a equipe multidisciplinar do projeto, que envolve alunos e profissionais de diversas áreas, de dentro e de fora da USP.

"O VH Thor é como um simulador para pilotos, que têm de ser treinados para todo tipo de situação dentro de uma aeronave. Mas isso só a realidade virtual pode proporcionar", afirma Marcio Almeida, também pesquisador do CITI.

Formado em ciência da computação com mestrado em engenharia elétrica, Almeida explica que o VH Thor se inspirou em muitos dos programas usados em simuladores para a aviação, assim como novos projetos deverão usar como base o VH Thor.

Novos usos da tecnologia surgem a cada momento, e, no Brasil, é nas universidades que as pesquisas nessa área têm prosperado. Um dos principais passos para isso foi a criação da Caverna Digital da USP, em 2001, que permite projeções imersivas em 3D em cinco telas de 3x3m. A caverna é usada para promover a interação homem-computador e desenvolver pesquisas em todas as áreas -tornando a tecnologia cada vez mais essencial e, ao mesmo tempo, acessível.

O professor Marcelo Zuffo, coordenador do Citi, afirma que o objetivo é não apenas ampliar o conhecimento dentro da academia mas descobrir como inserir mais as novas tecnologias de informação, principalmente a Realidade Virtual, no cotidiano das pessoas.

A ideia de investir no projeto VH Thor surgiu após a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) lançar um edital de inovação em pesquisas na área de energia. Os estudantes passaram a analisar formas de melhorar a questão da segurança e buscaram parceria com o setor produtivo -a empresa de consultoria Matrix Engenharia em Energia irá validar o programa, que deverá ser usado ainda neste ano pela Celesc e por outras empresas.

A USP não pode comercializar suas pesquisas, apesar do alto potencial de negócio do porjeto VH Thor. Mas a universidade já busca parcerias com a indústria para que o resultado chegue mais rapidamente ao dia a dia das pessoas.

O pioneirismo do projeto garantiu aos pesquisadores do Citi participação na Siggraph, conferência anual sobre computação gráfica realizada no final de julho na Califórnia, nos Estados Unidos, onde se apresenta o que há de mais novo e relevante em pesquisas tecnológicas.

Além dos cientistas da USP, estarão presentes pesquisadores da Nasa, da Sony, da Disney e de universidades de vários países. Na conferência, estudantes de todo o mundo poderão literalmente sentir como é trabalhar na manutenção de linhas de transmissão de energia elétrica.

Apesar de o projeto já estar praticamente concluído, o trabalho não para. Mario Nagamura acredita que os óculos rift tenham dado um novo impulso na interação homem-computador e que exista um campo enorme para novas conquistas.